A doença falciforme (DF) é uma das alterações genéticas mais frequentes no mundo e constitui-se em um grupo de doenças caracterizadas pela predominância da hemoglobina (Hb) S nas hemácias: anemia falciforme (Hb SS), hemoglobinopatia SC, S-β talassemias e outras mais raras, como as Hb SD e Hb SE. A produção da hemoglobina S decorre da troca de um aminoácido na cadeia beta da globina, resultando em alterações na molécula da Hb quando encontra-se em situações com baixa concentração de oxigênio. Essas alterações culminam na mudança da forma da hemácia para a de foice, sendo este um dos principais mecanismos fisiopatológicos da doença.
A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do Brasil, ocorrendo predominantemente, entre afrodescendentes. Estima-se que cerca de 4% da população geral brasileira e entre 6% e 10% dos afrodescendentes são portadores do traço falciforme (HbAS) e que, anualmente, nascem aproximadamente 3000 crianças portadoras de DF. Atualmente, estima-se que tenhamos 45 a 50 mil brasileiros portadores de Doença Falciforme.
Uma das características da doença é a sua variabilidade clínica. Apesar de os pacientes apresentarem a mesma doença genética, existe um curso clínico variável, ou seja, enquanto alguns pacientes têm complicações clínicas graves, frequentes hospitalizações e óbito precoce ainda nos primeiros anos de vida, outros apresentam doença de evolução mais benigna, com quadros de dor esporádicas ou até mesmo pacientes praticamente assintomáticos.
Os principais sinais e sintomas são relacionados à anemia crônica (palidez, cansaço, fraqueza, falta de ar) e aos episódios de vaso-oclusão, gerando principalmente quadros de dor. As crises dolorosas representam a manifestação mais frequente, afetando - particularmente - as extremidades, a coluna vertebral e o abdome. Além disso, os pacientes são mais susceptíveis às infecções bacterianas causadas principalmente pela disfunção do baço, secundária aos múltiplos infartos que ocorrem nesse órgão ao longo da vida.
O diagnóstico na maioria das vezes é feito no teste de triagem neonatal (Teste do pezinho), porém, pessoas que nasceram antes da implementação nacional dessa triagem, podem apresentar diagnósticos mais tardios, através da identificação da hemoglobina S na eletroforese de hemoglobina (exame realizado no sangue).
O diagnóstico neonatal, a pronta instituição do tratamento e condutas (vacinação, penicilina profilática) e a orientação do reconhecimento precoce das complicações relacionadas à doença, contribuíram para a redução da mortalidade. A expectativa de vida dos pacientes portadores de AF vem aumentando progressivamente nos últimos 50 anos, passando de aproximadamente 14 anos nos anos de 1970 para cerca de 50-60 anos de idade nos dias de hoje.
O tratamento ainda necessita de avanços, porém os últimos anos apresentaram algumas mudanças promissoras. A base do tratamento ainda é a Hidroxiuréia, um medicamento que demonstrou impacto na qualidade de vida dos pacientes, reduzindo o número de crises vaso-oclusivas, número de hospitalizações, tempo de internação e reduzindo a taxa de mortalidade. Esquemas de transfusão de sangue (esporádico ou crônicos), também são amplamente empregados em alguns casos mais graves.
Novas drogas estão surgindo, como o crizanlizumab, inclacumab, voxelotor, crovalimab, etavopivat e outros. A terapia gênica também tem demonstrado ser uma ferramenta promissora para o futuro (principalmente Exa-cel, que reativa a produção da Hb fetal através do gene BCL11A). Porém, nenhuma dessas opções estão disponíveis para utilização fora de estudo clínicos no Brasil.
O transplante de Medula óssea (TMO) alogênico é a única opção de cura para os portadores de DF. Os melhores resultados são com o TMO alogênico de doador HLA idêntico aparentado (irmão, 100% compatível), embora nos últimos anos a experiência nacional e internacional com TMO haploidêntico (50% compatível) tem se demonstrado uma opção promissora para os pacientes, com bons resultados.
Referências bibliográficas
Texto elaborado por Dr. Lauro Augusto Caetano Leite, Médico Hematologista especialista em transplante de medula óssea da Equipe BIO SANA’S, Hospital São Camilo Pompéia e IBCC Oncologia (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer).
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